Da descoberta da bactéria que metaboliza arsênico às possibilidades de vida fora da Terra, a compreensão sobre o que é vida se apresenta como um dos maiores problemas filosóficos e científicos de todos os tempos.
Por Maysa Rodrigues* Amâncio Friaça**
Em 2 de dezembro 2010, o anúncio realizado pela NASA a respeito da descoberta de uma bactéria capaz de substituir o elemento químico fósforo – que se encontra na montagem do DNA – pelo arsênico, normalmente tóxico, colocou a astrobiologia na pauta dos jornais e difundiu a sua contribuição para a difícil tarefa de se compreender o que é a vida. Na busca por uma resposta adequada – ou, pelo menos, no rumo a uma melhor delimitação da questão – a filosofia e as ciências naturais, especialmente em seu desdobramento astrobiológico, apresentam um debate extremamente rico e estimulante.
Enciclopédia Durante o Iluminismo, flcou conhecido como Enciclopédia o projeto de elaborar um livro que reuniria as deflnições de tudo aquilo que existe. Sua elaboração contou com ilustres fllósofos como D´Alembert, Diderot, Voltaire, Rousseau e Montesquieu. |
As definições astrobiológicas da vida e seus problemas Aos olhos do senso comum, a ideia de vida aparece como algo óbvio e intuitivo. No nosso dia a dia, parece que muito raramente iremos nos deparar com alguma questão que nos obrigue a debruçarmos com cuidado sobre essa noção. O reconhecimento daquilo que é vivo, seja um cachorro, uma árvore ou um ser humano, parece uma questão evidente que não merece maiores preocupações. Porém, apesar da aparente banalidade, sempre que a ciência se pergunta seriamente sobre o que seria a vida, buscando reunir tudo aquilo que intuitivamente já considerávamos “vivo”, encontra enormes obstáculos para elencar as características básicas que todas as formas de vida teriam em comum. Na Astrobiologia (ver box na próxima página), assim como nas outras ciências da natureza, é comum procurarmos responder a uma questão recorrendo a uma definição. Esse procedimento, contudo, não é suficientemente satisfatório quando o perguntado é de natureza muito fundamental, ou se diz respeito a uma das condições da nossa existência, como no caso do tempo, do espaço e da vida, por sinal, questões fundamentais para a filosofia.
O hábito de respondermos uma pergunta com uma deflnição tem suas raízes próximas na tradição da a enciclopédia. Porém, quando o “o quê” é muito vasto, cada deflnição que construímos revela-se extremamente provisória e arbitrária. E é exatamente o caso de “o que é a vida?”. Sua deflnição não pode ser muito ampla, senão se torna trivial, e nem muito estrita, pois nesse caso acaba excluindo formas de vida conhecidas. Também deve estar conectada a um paradigma específlco, de modo a apresentar uma sólida base teórica. Assim, a questão “o que é a vida?” já oferece um desaflo de antemão, uma vez que teremos de escolher em optar por uma deflnição específlca ou por uma generalização. As duas possibilidades têm vantagens e problemas: ao escolher uma deflnição específlca, acabaremos com dezenas de deflnições de vida para caberem nas diversas formas as quais a vida se apresenta. Se não, ao aderirmos a uma deflnição particular, podemos tentar listar algumas características da vida como conhecemos que sejam as mais gerais possíveis para não nos arriscarmos a deixar passar alguma forma alienígena quando toparmos com ela. De qualquer maneira, é extremamente difícil encerrar todas as possibilidades conhecidas, quem dirá possíveis formas com as quais ainda não nos deparamos!
A astrobiologia é uma das mais jovens fronteiras da ciência, que visa o estudo da origem, evolução, distribuição e destino da vida no universo. A deflnição de astrobiologia pode apresentar alguma variação, porém é necessariamente ampla, como aquela do Instituto de Astrobiologia da NASA, o “estudo do universo com vida”. A astrobiologia inclui o estudo da vida terrestre, pois considera os efeitos de ordem astronômica sobre a origem e evolução da vida e sobre a expansão da vida para além da Terra, além de tomar ambientes extremos do nosso planeta como análogos para a vida em outras partes do cosmos. |
O corpo paradigmático mais frequentemente referido pelas deflnições de vida em astrobiologia é o da evolução darwiniana. Já um conjunto de características mínimas para a vida frequentemente utilizado, engloba as ideias de compartimentalização; de fluxo de informação e de manejo de energia. Na Terra, isso se traduz em células, em ácidos nucleicos (DNA e RNA) e em metabolismo. Porém, em outros lugares do universo deve signiflcar outras coisas. A compartimentalização é a característica mais básica, pois deflne cada ser vivo enquanto destacado do meio em volta. Ela é que deflne a célula, a unidade básica da vida, e que garante a dicotomia entre o indivíduo e o ambiente, essencial para a ideia de seleção natural presente na teoria darwiniana. Os indivíduos apresentam variação entre si e alguns dos seus traços individuais são hereditários. Aqueles, cujos traços permitem um melhor uso dos recursos limitados do ambiente, têm maiores chances de sobrevivência e reprodução e, assim, transmitem esses traços para as gerações posteriores. O conteúdo informacional de cada indivíduo (seus traços, hereditários ou não) é o que distingue um do outro e é a base da variação. A transmissão da informação de um indivíduo para outro, chamado de fllho no processo da replicação é a base da hereditariedade. Assim, a compartimentalização permite concebermos o indivíduo enquanto um ser separado. Já o fluxo de informação permite pensarmos nos novos indivíduos que surgem pela reprodução. Ambas constituem o princípio da individualidade. Porém, um problema que se apresenta para a deflnição de vida é o de que a compartimentalização é uma característica compartilhada com muitos seres não vivos, como os a coacervados.
Coacervados São glóbulos gordurosos que se formam em um meio aquoso. Como a gordura repele a água, formam-se naturalmente compartimentos que os separam do meio aquoso em volta. Eles se parecem superficialmente com células, e na primeira teoria detalhada da origem da vida, formulada por Alexander Oparin em 1929, ele propôs que os coacervados dessem origem a elas. |
O “uso dos recursos limitados do ambiente” refere-se à terceira característica mínima, o manejo da energia, ou, em termos da biologia como conhecemos na Terra, do metabolismo. De fato, como se trata da manutenção e construção dos corpos, exige-se não só energia, mas também materiais. Na biologia terrestre, a energia é armazenada em lipídios e carboidratos e a maior parte da estrutura é constituída pelas proteínas, que, ademais, na forma das enzimas, aceleram e possibilitam as reações químicas básicas da vida e permitem a captura dos elementos que formam a vida, como o carbono e o nitrogênio, do ambiente para os organismos.
Em astrobiologia, não podemos nos dar ao luxo, depois de desenvolvermos projetos longos e custosos, de perdermos de vista qualquer forma de vida por mais exótica que seja. Procuramos estarmos cada vez mais seguros de responder à pergunta: “isso está vivo?”. Mesmo na Terra, há sistemas que nos confundem quando nos colocamos essa questão. É o caso do vírus, que é constituído apenas por uma cápsula de proteína com ácido nucleico (DNA ou RNA) dentro. Não tem metabolismo, apenas compartimentalização e código genético. Não é uma célula no sentido real, portanto. Para realizar metabolismo e reprodução, o vírus precisa utilizar os recursos de uma célula verdadeira. Os vírus são os párias da biologia e nem têm lugar no sistema de classificação oficial. Atualmente são inteiramente parasitários e mesmo as diminutas bactérias são do tamanho de porta-aviões em comparação a eles. Contudo, existe a hipótese de que os vírus descendem de ancestrais mais complexos, organismos que até podem ter sido autônomos, mas que, com o adventode outros tipos de organismos, tornaram- separasitas destes, e foram se simplificado até perderem totalmente a autonomia. De qualquer forma, essa pequena grande exceção para a definição corrente de vida merece um olhar cuidadoso, pois os micróbios de outros
Postado por Carlos PAIM
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